Aspectos da Garantia Locatícia
Jacques Rabello Ribas Sobrinho
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A garantia locatícia é uma obrigação acessória ao contrato de locação que tem por escopo evitar ou reduzir a possibilidade de inadimplemento do locatário através meios que assegurem ao locador que todos os direitos e créditos decorrentes da locação serão satisfeitos, ainda que o locatário se torne inadimplente.
As modalidades de garantias estão previstas no artigo 37 da Lei 8.245/1991, e são: I – caução, II – fiança, III – seguro de fiança locatícia, e IV – cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento. Porém, antes adentrar nos aspectos de casa uma delas, é válido frisar que o parágrafo único do mesmo artigo 37 veda, sob pena de nulidade, a aplicação de mais de uma dessas modalidades de garantia em um mesmo contrato.
A caução é uma modalidade de garantia que pode ser prestada través de bens móveis, imóveis ou ainda em dinheiro. Na primeira hipótese a caução deverá ser registrada em cartório de títulos e documentos; na segunda, averbada à margem da respectiva matrícula no registro de imóveis a que pertence; e no caso de se dar em dinheiro o valor deverá ser depositado em caderneta de poupança, sendo que a lei fixa como valor máximo para caução como sendo o correspondente a três vezes o valor do aluguel.
Quando a caução tiver sido prestada em dinheiro, estando ao final do contrato todas as obrigações cumpridas, o valor será restituído ao locatário, integralmente somado aos rendimentos gerados durante o período. Se, no entanto, existirem obrigações a serem satisfeitas pelo locatário, a quantia será revertida em favor do locador e somente as sobras, se houverem, devolvidas ao inquilino. Na hipótese de que o valor seja insuficiente para quitar as obrigações contratuais, restará ao locador somente acionar o devedor judicialmente.
A fiança, segunda modalidade de garantia prevista na lei, é uma garantia de cunho pessoal, que se dá através da presença do fiador que fica patrimonialmente responsável pelo pagamento dos débitos do locatário, caso este não o faça, e que pode ser concedida no próprio contrato de locação, ou em documento apartado visto que o locatário/afiançado não faz parte da relação.
Atualmente a fiança é a forma de garantia escolhida pela ampla maioria dos locadores pelo fato de que, havendo o inadimplemento do locatário pode o locador buscar a penhora e a alienação de bens do fiador para a quitação dos débitos. É portanto uma garantia alicerçada nitidamente na confiança depositada pelo fiador no seu afiançado, por isso, antes de prestá-la, recomenda-se atenção às responsabilidades assumidas e aos riscos envolvidos.
Considerando que o fiador responde pelos débitos até a efetiva ”entrega das chaves”, esta expressão vem gerando muita controvérsia nos casos de execuções contra fiadores em contratos prorrogados. A súmula 214 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) diz que “o fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”. Seria dizer então que, prorrogado o contrato sem a expressa concordância do fiador este fica desobrigado da fiança? Não necessariamente.
A jurisprudência do STJ vem disciplinando as questões adotando o posicionamento de que existindo no contrato de locação cláusula expressa prevendo que o fiador responde pelos débitos locativos, até a efetiva entrega do imóvel, subsiste a fiança no período em que o referido contrato foi prorrogado, ainda que sem a anuência do fiador (AREsp 234.428).
Com a nova redação dada ao artigo 39 da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato), pela Lei 12.112/09. O que era jurisprudência passou a ser lei.
Dispõe o referido artigo que, “salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei”.
Portanto para que não haja a prorrogação automática da fiança, é imprescindível que no contrato esteja especificado que o fiador ficará isento de responsabilidade na hipótese de prorrogação do contrato, ficando resguardado ao fiador, durante essa prorrogação, a faculdade de exonerar-se da obrigação, mediante notificação resilitória, hipótese em que sua responsabilidade se estenderá ainda pelo período de 120 dias após a notificação do locador, que por sua vez poderá exigir novo fiador ou substituição da modalidade de garantia no prazo de 30 dias, sob pena da encerramento da locação.
Além da questão do pedido de exoneração poderá ainda o locador exigir substituição do fiador nas seguintes situações: morte do fiador; ausência, interdição, recuperação judicial, falência ou insolvência do fiador declarados judicialmente; alienação ou gravação de todos os bens imóveis do fiador ou sua mudança de residência sem comunicação do locador e também ao final de contratos por tempo determinado.
Importante salientar que, uma vez assumida a obrigação de fiador, não será possível alegar impenhorabilidade de bens na execução, mesmo que se trate do único imóvel do fiador, ou seja, o bem de família.
A terceira forma de garantia prevista na Lei do Inquilinato é o seguro fiança, modalidade mais segura e menos burocrática, que difere da situação de buscar um fiador, com as dificuldades e constrangimentos embutidos, e também evita a necessidade do desembolso do valor correspondente a três alugueis a título de caução, porém pesa mais no bolso do inquilino, pois a seguradora além de exigir que o mesmo mantenha uma ficha cadastral livre de máculas.
Esta modalidade consiste na contratação, pelo locatário, de uma garantia junto a uma companhia seguradora que garantirá ao Locador o recebimento dos alugueis e encargos vencidos e não pagos pelo locatário.
O valor do preço do seguro (prêmio) é fixado de acordo com a garantia pretendida que pode abranger não apenas o aluguel, mas também pagamento de taxas de condomínio, IPTU, luz, água, multas contratuais, enfim todos os acessórios da locação, e até mesmo mão de obra para pequenos reparos ou consertos no imóvel alugado. Obviamente a inclusão de cada cobertura adicional eleva o valor do preço do seguro (prêmio), que geralmente varia de uma a três vezes o valor do aluguel.
A garantia através de seguro de fiança costuma abranger um período de 12 meses, e na maioria das vezes considera o valor do aluguel, condomínio e IPTU, o que proporciona uma maior segurança para o locador, desde que sejam contratadas junto a Bancos e Seguradoras idôneos, sendo assim bastante importante conhecer a instituição e entender o procedimento para o acionamento da garantia em caso de inadimplência.
Por fim, a ultima espécie de garantia prevista na Lei do Inquilinato é a cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento ou de título de capitalização, certamente a menos conhecida da modalidades, que foi instituída pela Lei 11.196/05, e é regulamentada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que autoriza instituições financeiras a administrar carteiras de títulos, com a finalidade de constituírem fundos de investimentos que permitam a cessão fiduciária de suas cotas em garantia de locação imobiliária.
Esse tipo de garantia deverá ser formalizada com registro do contrato de locação junto ao administrador do fundo, o que pode ser feito pelo titular das cotas, que poderá ser tanto o inquilino como terceiro que faça parte do contrato de locação como garantidor. Com isso, é confeccionado um “Termo de Cessão Fiduciária”, juntamente com uma via do contrato de locação, tornando estabelecida a propriedade resolúvel das cotas em favor do locador.
Assim, caso o inquilino se torne inadimplente, o locador poderá notificá-lo extrajudicialmente (juntamente com o cedente no caso de terceiro garantidor), dando o prazo de 10 dias para o pagamento integral da dívida, sob pena de “excussão extrajudicial da garantia”, que é justamente a transferência da propriedade das cotas, que poderão ser mantidas aplicadas ou resgatadas pelo locador, conforme as regras do mercado financeiro.
Não havendo o pagamento integral do débito no prazo de 10 dias, o locador poderá requisitar a transferência da titularidade das cotas, em caráter exclusivo, pleno e irrevogável, que sejam suficientes para a quitação da dívida, sem prejuízo da ação de despejo e cobrança, pelos meios próprios, de eventual diferença que possa haver quando a garantia não for suficiente.
Esta modalidade de garantia, pode ser considerada como uma espécie de aplicação financeira de certo risco – pois o valor das cotas do fundo fica sujeito à oscilação decorrente da variação do valor de mercado dos ativos que compõem o patrimônio do fundo – e, apesar de ter sido instituída já há alguns anos, ainda é pouco difundida.
A garantia na locação não é obrigatória, e sim uma faculdade do locador em exigir do locatário uma dentre as quatro espécies previstas no artigo 37 da Lei 8.245/91, contudo, alguns benefícios foram reservados tão somente para as locações de imóveis em que nenhuma daquelas modalidades de garantia foi contratada.
Segundo o artigo 59, § único, inciso IX, conceder-se-á liminar para desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que tiverem por fundamento a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo.
Outra vantagem é que, conforme o artigo 42 da mesma lei, não havendo nenhuma garantia o locador poderá exigir o pagamento do aluguel referente ao mês vincendo, ou seja, antecipadamente, de forma que havendo o inadimplemento, já no início do mês o locador pode ajuizar ação de despejo e obter liminar para a desocupação em quinze dias.
Obviamente existem desvantagens na ausência da contratação de garantia, sendo a principal delas a morosidade do Poder Judiciário, pois, na prática, o tramite entre a distribuição da ação e efetiva prestação jurisdicional, através da concessão da medida liminar, pode ser bastante lento, resultando na possibilidade de haver o inadimplemento do pagamento dos alugueis seguintes, e caso o locatário não tenha bens próprios passiveis de execução, restará ao locador amargar o prejuízo.
Outra desvantagem é o fato de que para a concessão da medida liminar para a desocupação deverá o locador, como requisito imprescindível, prestar caução no valor correspondente a 3 meses de aluguel.
Portanto, cabe ao locador avaliar os prós e contras de cada modalidade de garantia, e ainda se exigi-la ou não, ficando contudo adstrito a escolha de apenas uma das possibilidades.
Inobstante a expressa vedação legal a existência de mais de uma modalidade de garantia em um mesmo contrato de locação, esta falha é rotineiramente cometida, na maioria das vezes por locadores desavisados e pelas imobiliárias que, por desconhecimento, ignorância ou economia, se valem de contratos ditos “modelo”, os quais, não raras as vezes, contém clausulas que contrariam dispositivos legais.
O fato de constar no contrato mais de uma garantia constitui prática nula e abusiva, constituindo inclusive contravenção penal. Porém a pergunta que se impõe é: Sendo exigidas duas ou mais garantias locatícias em um mesmo contrato este será nulo ou umas das garantias prevalecerá? A resposta não é única.
Primeiramente, vale ressaltar que o artigo 43, inciso II, preconiza que exigir, por motivo de locação ou sublocação, mais de uma modalidade de garantia num mesmo contrato de locação constitui contravenção penal, punível com prisão simples de cinco dias a seis meses ou multa de três a doze meses do valor do último aluguel atualizado, revertida em favor do locatário.
Superado o caráter punitivo da norma, restam ainda três possíveis soluções que podem ser adotadas na hipótese de o locatário desejar o prosseguimento do contrato.
Caso a relação tenha sido estabelecida através de um contrato pré-formatado, da modalidade “adesão”, no qual o locatário tem diminuído drasticamente o seu poder de negociação, simplesmente aderindo às suas condições, a solução que se impõe é facultar aos aderentes escolher qual clausula deve ser tida como nula.
Já quando a contratação se deu através de contrato livremente formulado pelas partes, os tribunais tem decidindo, em ampla maioria, excluir a garantia mais gravosa ao locatário, aplicando por analogia a norma contida no artigo 620 do Código de Processo Civil, que dispõe que quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.
Existe ainda um terceiro modo de se analisar qual das garantias deve prevalecer, o qual leva em consideração o aspecto temporal, segundo o qual a garantia que primeiramente surtiu efeito é que deve permanecer em vigor.
A decisão competirá ao julgador, porém uma vez tomada, as demais garantias devem ser declaradas nulas de pleno direito.
Por fim, podemos dizer que nenhuma das espécies de garantia pode dar a certeza de pontualidade de pagamento ou tranquilidade absoluta quanto ao cumprimento das disposições contratuais, porém certamente neutralizam, ou ao menos minimizam, os seus efeitos.
Recomendamos aos proprietários/locadores que analisem a melhor forma de garantia a ser adotada em cada caso, que obtenham informações sobre a idoneidade dos pretensos locatários ou das administradoras imobiliárias eventualmente envolvidas e, principalmente, que busquem assistência jurídica especializada.